Boa Noite, Jô!



Em 1999, quando cheguei em Manaus para morar definitivamente, depois de uns anos no interior do Amazonas, eu era um adolescente ávido e em busca da vida. Morávamos sós, eu e minha irmã, em um apartamento que meus pais deixaram pronto para podermos dar seguimento aos nossos estudos.

E foi nessa época, que conheci um dos meus melhores amigos, o Jô Soares. Todas as noites, quando o dia ia partindo, quando as ruas minguavam, o silêncio imperava, era quando minha cabeça mais fervia, meus anseios, meus sonhos, minhas dúvidas. E era assistindo você, todas as noites, que eu aplacava essa minha ansiedade de viver. Aprendendo, rindo, entrando pela madrugada. Sempre atual, sempre moderno, conectado.

Hoje acordei com uma notícia triste. Há poucos dias falei “que saudade que estou de ouvir o Jô”, como dói ver o tempo passar, ver nossa esteira do tempo andar. Mas é assim que a vida é, e imediatamente imaginei que seria isso que você falaria, e que foi assim que você deve ter partido. Satisfeito, orgulhoso, por ter vivido a vida intensamente e na hora certa!

Boa noite, Jô!

Qual é o seu dia do silêncio?

Quantas vezes nos últimos meses você teve um dia sem falar nada, nem com você mesmo?

A experiência em Curitiba

Quando eu tinha 17 anos, estava finalizando o ensino médio e decidi que queria fazer uma faculdade fora da minha cidade, e escolhi morar em Curitiba. Dentre todos os processos que foi essa mudança drástica (que cabem em outras postagens), teve um que foi extremamente novo e interessante para mim: como não conhecia ninguém na cidade, tive a experiência de ficar por vários dias sem falar nada, nem comigo, nem com ninguém. Um silêncio absoluto, que dava lugar a muitos pensamentos. Eu conseguia ficar dias e dias somente processando informações, refazendo planos, analisando possibilidades. Eu acredito que nunca tinha experimentado, em toda a minha vida, períodos tão longos sem falar nada com ninguém.

Depois que comecei a socializar mais, comecei a trabalhar, me meti nos cursos, etc., sentia falta desses momentos e, sempre que podia, eu reservava um final de semana em casa, sem sair, somente comigo e meus pensamentos.

O dia do silêncio

Desde então, quando começo a achar que tem ruído demais, que estou começando a deixar de ouvir meus pensamentos ou deixando de pensá-los mais profundamente, dou um jeito de inventar uma viagem ou tirar um dia de fuga (não é nem de folga), deixar os ouvidos silenciarem para ouvir melhor os pensamentos.

No exato momento que escrevo este post pro meu blog, estou vivendo um dia desses: silêncio, a boca praticamente imóvel por horas, até a respiração se torna mais audível. E os pensamentos florescem. Dá para repensar bastante coisa, dá para processar muita informação. Inclusive, eu adoro essa expressão: processar informação. Porque é o que mais quero fazer e acabo buscando nas pessoas com quem trabalho, por exemplo, que elas processem a informação, que leiam, ouçam, vejam, mas que antes de repassarem, processem, derivem, computem, sempre entreguem algo a mais, nem que seja uma simplificação, mas que não seja a informação crua.

Refúgio e limpeza da mente

Então mesmo com família, amigos, colegas de trabalho, faculdade e tudo mais, arrume o seu refúgio. Pode ser uma viagem sozinho (ir para um evento/congresso é uma desculpa socialmente aceita na maioria dos casos). Invente uma viagem longa de carro, vá para o escritório quando todos estiverem fora. É uma grande limpeza da mente, posso garantir que funciona muito bem para mim e imagino que vai funcionar bem para você também.

Lido: Sombras de Reis Barbudos, do José J. Veiga (Companhia das Letras) (1/12 #2022)



Sombras de Reis Barbudos é para mim a melhor obra até agora lida do JJ Veiga. Sabendo-se do contexto do livro, que foi escrito em plena ditadura militar brasileira, a leitura se torna mais genial ainda, unindo seu realismo fantástico com todo um ambiente político e social daquele momento.

Começo o ano de 2022 fechando a leitura de um livro simplesmente genial: Sombras de Reis Barbudos, escrito pelo goiano José J. Veiga. É uma das obras mais bem pensadas que já li, de verdade. O livro em si habita no universo do realismo fantástico já conhecido das obras do JJ, o que é super interessante, porque ao mesmo tempo que é uma leitura rápida, direta, você na cabeça do personagem e tudo transcorrendo como se fosse a coisa mais natural do mundo (lembra bastante os livros do J.D. Salinger, que inclusive os nomes, com iniciais, parecem bastante não é?), também começam a ocorrer situações inimagináveis: um monte de muros aparecem no meio da cidade, urubus começam a entrar nas casas das pessoas, etc.

Só que o desenrolar é kafkaniano (esse sim, um autor que foi inspiração pro JJ), ou seja, de repente tudo muda, as pessoas duvidam do que aconteceu ou simplesmente parece que não aconteceu. Tudo conduzido com maestria na cabeça do personagem principal, o Lucas, que vai narrando aquilo com uma certa inocência, mas com convicção.

O resto é história, você tem que ler para imergir na escrita e acredito que vai gostar bastante.

Para mim foi uma ótima forma de começar 2022. Um livro que até parece atual para os dias de hoje, em que parece que é preciso confirmar duas vezes sempre o que é verdade e o que é fantasia.

Nota

Eu sempre gosto de dar notas baseadas na emoção de terminar o livro, então quase sempre são baseadas mais no momento atual do que numa régua certinha de mensuração de qualidade de tudo que já li. Então para esse aqui é 5. Genial a parte do mágico e como o contexto histórico está presente no livro.

Livro: Sombras de Reis Barbudos 
Autor: José J. Veiga
Terminei em: 01/01/2020 16:00h
Nota (até 5): 5